Vejo, desde sempre, em Manuel Amado, duas atitudes que, quase magicamente se fixam nos seus quadros.
A primeira é a captação da globalidade imanente das coisas. E se precisa de as dividir, arrumar, dispor, proporcionar, distribuir, significar, sujeitando-as às posições espaciais e práticas onde existem, nada disso faz desaparecer essa certeza do todo essencial. É ele que respira e fala, em forma e cor, na luz transparente e nos dá «o mistério e o equilíbrio entre o céu e a terra».
A outra é a mensagem, sempre latente e diversa, que vem dos seus quadros e se transmite à atmosfera que à sua volta cria e no-la faz sentir ou perceber: a tranquilidade sóbria de uma paisagem que nos convida a partilhá-la; a força isolada de um tronco que representa uma natureza sempre suficiente, na sua expressão; a espera deserta que precede a ocupação humana de um espaço; ou a saudade indizível de uma ausência, misturada com a certeza da chegada, só imaginada.
À dualidade solidão - esperança; luz – tranquilidade; espaço – possível acrescenta outra intenção: apontar o absurdo do incompleto. Havendo espaço, havendo luz, havendo forma, os objectos existem e além disso, transmitem algo de importante sobre o que está para além de nós: o ser que encontra expressão vale a pena. É mesmo o principal.
À dualidade solidão - esperança; luz – tranquilidade; espaço – possível acrescenta outra intenção: apontar o absurdo do incompleto. Havendo espaço, havendo luz, havendo forma, os objectos existem e além disso, transmitem algo de importante sobre o que está para além de nós: o ser que encontra expressão vale a pena. É mesmo o principal.
Esses dois pontos – a globalidade atingida e o significado viável que ela sempre tem – são as finalidades essenciais.
São realizadas, sem pressa e sem tempo, pelo artista, com o apuro que refina a imagem e com ela conquista sentido. Transfere-a para o essencial, sem deixar de parecer comum e impõe, com suavidade, essa tal mensagem com que envolve o quadro. O que posso dizer é que não conheço nenhum quadro de Manuel Amado que, na sua variedade temática e nos diferentes estados de espírito que nos transmite, o não faça, sem que essas duas dimensões – se assim se pode dizer – estejam profundamente unidas, tornando-se uma peça única.
Os seus quadros, na modalidade linear em que vivem, nunca podem coincidir, pois nenhum sentimento se fixa do mesmo modo ao objecto que escolhe para nele se evocar. Quantas ansiedades, quantas esperanças, quantas ternuras suspensas, numa cadeira vazia, num toldo ao sol, numa porta aberta para o «poder – ser»!
A hora não arbitrária que os seus quadros representam não faz parar o tempo, nem o comprime: apanham-no no «só momento» e rodeiam-no de espera assistida.
Os quadros de Manuel Amado apontam o momento exacto, como se ele nunca passasse instantaneamente. Pelo contrário, como se o estivéssemos vendo passar: a infinita profundidade do transitório! Apetece falar baixo diante dos quadros de Manuel Amado, não vão zangar-se os deuses do lugar ou aflorar à porta ou à janela - se porta ou janela há – a jovem mãe que não quer barulho para o seu bebé. E apesar disso, o silêncio tenso e reflectido, a melancolia imensa e feliz, o agradecimento às visitas que estudaram os modos para o não cansar, com gestos inúteis ou intempestivos.
A densidade psíquica dos quadros de Manuel Amado é tão viva e directa que as cores demarcam linhas e ângulos, com a disciplina singular de estarem lá, só para isso. Luz. Cor. Tranquilidade. Sombra. Paisagens só de coisas, porque os homens existem para as ver e apreender, na sua unidade significativa.
A característica da obra de arte que mais me lembra e com a qual mais me identifico, quando vejo um quadro de Manuel Amado, é decerto aquilo que Virginia Woolf chama de «alheamento», espécie de realidade criada e suspensa sobre nós pelo artista, no seu quadro e que, na sua solidão deliberada e artificiosa, nos fala e carinhosamente nos tranquiliza, sem perversidade.