Não sobeja parte de casa para confidências ou leituras paralelas: exacta, nítida, esta pintura manifesta-se ao olhar em seu paciente artesanato. É o que é – o real na pintura ou a pintura sem álibi.
Pode dizer-se: laborioso ofício segundo a regra. No risco, no ângulo, na escala, na perspectiva, na quadrícula de luz e sombra. Também na escassez do descritivo: sótão, porta, lavatório, cavalo de baloiço. Tudo substantivo. Elementar direi e direi exposto. Nu. Plácido nessa despojada evidência.
Nessa obsidiante fixação.
Surge então, e para o outro lado do espelho, o espaço (já só meu) do labirinto: esta pintura acorda-me não sei que esquecimento, preenche-me não sei que esconso de impossível fascínio.
Entro nela, cúmplice: e é por trás do écran que se me instala uma incómoda perturbação – sequer distraída por acidentes normativos, cópias de coisas. Angústia minha – face à implacável quietude do Palácio do Sonho.
Posso fugir ao desafio, adjectivando o olhar e a prosa, recorrendo ao sic compendial. Fica a Esfinge, prodigiosa energia do silêncio.
Ou muito me engano ou estou perante uma espécie de Ressurreição da Morte.
De facto, a Beleza só o é quando convulsiva.
Oculta.
E não nunca há palavras para o melhor e o pior deste balanço adesivo ao vómito – frémito ocluso de Poesia.
Pintar casas, corredores, cavalos de pau é ainda função de pintura. Quando e se de pintores. Incorrigíveis animais secretos.
Último recurso: a arte de fazer explodir intactos espelhos. Lapidares fotografias. Frios diamantes. Frágeis.
Alegria: calar um imenso Adeus.