[…] Essa atmosfera insólita e misteriosa solicitou o pintor Manuel Amado.
Para ele, as estações de Caminhos-de-Ferro não lhe interessaram para fixar o pitoresco arquitectónico; os arranjos florais, para um prémio a atribuir em concurso; nem os azulejos revivalistas de Jorge Colaço, Battistini e Alves de Sá que são o deslumbramento de ferroviários e certas populações. Penetrou, sim, no universo de angústia e de esperança em que a vida e a morte, quantas vezes, marcam encontro na mesma hora, no mesmo tempo de chegada ou de partida.
Há mais de um século o Caminho-de-Ferro entrou nos hábitos da população portuguesa. Podem circular outros meios de transporte, porventura mais rápidos e cómodos, mas o comboio não deixa de ser um complemento ou um suplemento às auto-estradas e às carreiras aéreas.
A sua eficácia aumenta na razão da sua utilização. E se da pluralidade de permutas entre as sociedades, as regiões, o País e o Mundo cria laços de solidariedade, também entre as pessoas de todas as classes e faixas etárias gera um intercâmbio contínuo de situações: simboliza o alvoroço e o receio que, imperturbavelmente, envolvem as prosperidades e ruínas, as alegrias e tragédias que fazem parte do caos da vida e da nossa memória colectiva.
[Excerto do texto de António Valdemar dedicado mais à história dos caminhos-de-ferro do que à pintura de Manuel Amado]